— Logo, os que não têm experiência da sabedoria e da virtude, que estão sempre em festa e diversões semelhantes, são levados, ao que parece, para baixo, e depois, novamente, até à região intermédia, e por aí andam errantes toda vida, sem jamais ultrapassarem esse limite, erguendo os olhos ou elevando-se até ao verdadeiro alto, nem se encherem do Ser realmente, nem provarem o que é o prazer sólido e puro; mas, olhando sempre para baixo, à maneira dos animais, inclinados para o chão e para a mesa, engordam e acasalam-se, e, devido à cupidez de tal gozo, dilaceram-se e batem uns nos outros com os seus férreos chifres e cascos, matando-se por causa do seu apetite insaciável, porquanto não enchem de alimentos reais a parte real e estanque de si mesmo.

—Parece mesmo um oráculo, ó Sócrates — interveio Glaúcon — a tua descrição da vida da maioria das pessoas.

— Porventura não é forçoso que passem a vida em prazeres misturados com sofrimentos, fantasmas do prazer verdadeiro, esboços que tiram a sua cor da justaposição uns dos outros, de maneira que cada um deles apareça mais avivado, e a desencadear nos insensatos paixões desenfreadas uns pelos outros, e a combaterem por elas, tal como se combatia em Tróia pelo fantasma de Helena, conforme diz Estesícoro, por simples desconhecimento da verdade?

Platão, A República

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