Iris

– Iris –  disse-lhe ele –, minha querida Iris, se ao menos o mundo estivesse organizado  de outra maneira! Se nada mais houvesse a não ser um mundo de beleza e brandura, com flores, pensamentos e música, então nada mais eu desejaria que não fosse passar a vida inteira a teu lado, ouvir as tuas…

Árvore

Quando a uma árvore são cortados os ramos da copa, vão-lhe nascendo mais perto da raiz novos rebentos. Do mesmo modo, também as almas que ao despontar adoecem e quase fenecem regressam frequentemente à primavera dos sentimentos, à apreensiva infância onde tudo começa, como se aí pudessem encontrar novas esperanças e reatar o fio condutor…

Neblina

É sempre maravilhoso e comovente ver como a neblina separa tudo o que está próximo e aparentemente é homogéneo; como envolve e suspende cada forma e a torna inescapavelmente solitária. (…) Tudo isto tem qualquer coisa de fantástico, de desconhecido, de distante, e durante um instante apercebes-te com assustadora clareza da sua natureza simbólica. Um…

O que incomoda

O que em nós se não encontra, não nos incomoda. (…) — As coisas que observamos — murmurou Pistorius — são as mesmas que se encontram em nós. Não existe realidade para além daquela que está no nosso íntimo. A razão pela qual as pessoas vivem tão ficticiamente é tomarem por realidade as figuras do…

Lamento

— Lamento muito, certamente que não gostaria de o magoar, mas de facto o senhor, para mim, não tem nenhuma realidade. O senhor, tal como se me apresenta, não tem aqueles traços convincentes que nos leva a transformar a percepção em vivência, o acontecimento em realidade. O senhor existe, isso não posso negar. Mas existe…

O outro

Oh, felizes esses simplórios, que se amam a si próprios e que podem odiar os inimigos, felizes esses patriotas que nunca precisam de duvidar de si próprios, porque nunca têm a mínima culpa da miséria e infelicidade do seu país, mas sim os Franceses ou os Russos ou os Judeus, qualquer outra pessoa, sempre um…

Bela invenção

O que havia entre juventude e velhice, entre Babilónia e Berlim, entre bem e mal, entre dar e tomar, o que enchia o mundo de distinções, valorações, sofrimento, luta e guerra, era o espírito humano, o jovem, impetuoso e cruel espírito humano, na fase adolescente, delirante, e ainda longe da sapiência, longe de Deus. Inventava…

Mola oculta

Ah! Sabia-se tão pouco dos homens, tão desesperadamente pouco. Aprendiam-se na escola centenas de datas de ridículas batalhas, os nomes de ridículos reis antigos, e todos os dias, nos jornais, se liam artigos sobre impostos e sobre os Balcãs, mas dos homens nada se sabia. Quando um sino deixa de tocar, quando um fogão deita…

Força espiritual

Por vezes, apercebia em todas estas almas de hoje como que um grande anseio clamando por libertação, e a que singulares caminhos ele as conduzia. Crer em Deus era considerado estúpido e quase indecoroso, mas à parte disso, criam em inúmeras doutrinas e nomes, em Schopenhauer, Buda, Zaratustra e muitos outros. Havia poetas e jovens…

Amor

— Posso perguntar-lhe se esse amor a faz feliz, miserável, ou ambas as coisas? — Ah, o amor não existe para nos fazer felizes. Acho que ele existe para nos mostrar quão fortes podemos ser no sofrimento e na paciência. Hermann Hesse, Peter Camenzind

A lei

Perguntei ao servo Leo por que motivo os artistas pareciam, por vezes, só seres meio-humanos enquanto as suas imagens tinham um aspecto tão incontestavelmente vivo. Leo olhou para mim, admirado com a minha pergunta. Depois largou o cão de água que levava ao colo e disse: — Com as mães também é assim. Depois de…

Eu queria

(…) eu queria também ensinar os homens a, através do amor fraterno à natureza, encontrar a fonte da alegria e as torrentes da vida; queria pregar a arte do contemplar, do caminhar, do fruir, pregar o gozo do presente. Queria fazer as montanhas, mares e ilhas verdejantes falar-vos a ver que vida incomensuravelmente múltipla e…

O belo

—Tens toda a razão, Knulp. Tudo é belo, desde que o vejamos na altura certa. — Sim, mas ainda penso o seguinte. Acho que o mais belo é sempre de tal modo que, para além do prazer que sentimos, há sempre uma mágoa ou um receio que lhe vêm associados. —Como assim? —O que quero…

A vida

Daquela sua vida, das suas errâncias, de todos aqueles anos desde que se lançara a correr o mundo, quase não restavam frutos. (…) Conseguiria salvar e mostrar algo desse mundo interior? Ou tudo continuaria como até agora: novas cidades, novas paisagens, novas mulheres, novas experiências, novas imagens, sucedendo-se  e acumulando-se umas por cima das outras,…

O lado materno

O amor e o prazer pareciam-lhe as únicas realidades capazes de darem verdadeiramente calor e valor à vida. A ambição era-lhe desconhecida, o bispo não valia para ele mais que o mendigo; do mesmo modo, a aquisição e a posse de bens não conseguiam cativá-lo, desprezava-os, nunca lhe teriam merecido o mais pequeno sacrifício e…

A cisão e contradição

Como, além disso, o espírito e a vontade continuavam vivos dentro dele, como era também um artista, a sua vida era rica e difícil, pois é indesmentível que só através da cisão e da contradição a existência se torna rica e fecunda. Que seria da sensatez e da temperança sem o conhecimento da embriaguez? Que…

Intemporal

Pensou que ele, como toda a gente, fluía, transformando-se continuamente, para acabar, enfim, por se dissolver, enquanto a sua imagem criada por um artista perdurava idêntica e imutável. Talvez o medo da morte fosse a raiz de toda a arte, pensou, e até mesmo de todo o espírito. Tememo-la, estremecemos perante a transitoriedade de tudo,…

À espera

Mas ele próprio, Goldmund, que seria dele dali a vinte anos? Como tudo era incompreensível e, de facto, triste, embora não deixasse, por outro lado, de ser também belo. Nada se sabia. Vivia-se e vagueava-se pelo mundo fora, cavalgava-se pelos bosques e havia coisas que nos fitavam, desafiantes e auspiciosas: uma estrela a despontar ao…

O segredo

Todas as crianças, desde que ainda tenham noção desse segredo, estão na sua alma incessantemente ocupadas com a única coisa que interessa, consigo mesmas e com a enigmática relação entre a sua própria pessoa e o mundo em redor. Os sábios e aqueles que procuram voltam, com o passar dos anos, a concentrar-se nestas actividades,…

Viajante

(…), experimentou, ao chegar a Waldzell, uma alegria em voltar a ver o seu país como nunca anteriormente tinha acontecido. Estava tentado a crer que esta Waldzell era não somente a sua pátria e o sítio mais belo do Mundo, mas que entretanto se tornara mais encantadora e mais interessante, ou que ele próprio trouxera…