“Os seres humanos são incompletos sozinhos”.

O que acontece com o amor e o erotismo? O seu lugar é ocupado pela masturbação, esse tipo de “sexo com a única pessoa que realmente amo” (frase atribuída a Woody Allen, mas provavelmente de Jacques Lacan). Já não se trata de um encontro com outro corpo e alma, mas de um prolongamento de autossuficiência tecnológica do homem, excitando-se e estimulando-se a si mesmo no espaço virtual por meio da pornografia. Os eros da sociabilidade moribunda é apenas o sexo sem sentimentos e uma vida sexual sem experiências mais profundas. É mecânico, sem risos, lágrimas, inveja e um desejo de fluir e de estar junto de alguém. O uso e abuso eficazes de si mesmo e dos outros tornam-se a única estratégia de vida. Cada um de nós tem um começo e um fim, por isso vamos usar-nos uns aos outros antes que o nosso prazo de validade expire: trata-se de um falso segredo, mas parece ser a única estratégia adequada aos relacionamentos mútuos das pessoas na vida contemporânea.

(…)

A única coisa que tem hipóteses de sobreviver nesse mundo é o movimento “elohimita”, totalmente manipulador, hedonista e propagador da imortalidade, uma seita dotada da sua própria religião ersatz. Com ele permanecerá e ganhará ascendência tudo o que se segue: o fatalismo, o determinismo, os sonhos de imortalidade e a promessa das elites tecnocráticas de libertar o homem do seu insustentável fardo de liberdade, do medo da morte e da consciência da sua finitude. Nesse único nó estão atados e misturados o sonho da imortalidade, o culto do prazer, a sociedade tecnológica, um poder de controlo que acredita incondicionalmente em si mesmo, embora no fundo se odeie, o culto da juventude e a estigmatização da velhice. Mostrar desprezo pelo envelhecimento torna-se facilmente uma caricatura de si mesmo. O mundo está cheio de jovens de setenta anos e jovens mulheres idosas, para os quais nada é mais importante do que ocultar a verdadeira idade e relacionar-se bem com o parceiro mais jovem.

Houellebecq também transfere a lógica do determinismo para as relações humanas. Essas relações nascem, amadurecem, depois definham e morrem, tal como os corpos, as sociedades e as culturas. Sem as relações entre homem e mulher expressas em palavras, encontros de olhares, toques, nudez, confissões, fantasias eróticas, sexo, tensões eternas, fatais, e todas as possibilidades de iniciar e terminar um relacionamento e ficar desapontado, as relações humanas rapidamente esmorecem, ainda que, segundo Houellebecq, estejam de qualquer modo condenadas ao fim. A história das relações humanas é sempre cíclica: elas começam, desenvolvem-se e depois definham e expiram silenciosamente. 

Só uma pessoa amada ou amiga pode romper o ciclo e superá-lo. Vencer o ciclo das relações humanas e a sua morte constitui a própria essência do amor e da amizade. Pois o tédio e o sentimento de futilidade constituem o destino do homem tecnológico, como afirmou Malcolm Muggeridge; e o determinismo e o fatalismo são aspectos, ou mesmo condições necessárias, da sociedade tecnológica (a nova humanidade, como diria Houellebecq). Não há alternativas a essa época e ao seu espírito de autodestruição. Como ninguém vive em função de alguma coisa que esteja além de nós, ou que pelo menos não seja nós, nada consegue tornar-se um grande desafio ou preocupação existencial, a não ser a vida em si mesmo.

Leonidas Donskis (Zygmunt Bauman/Leonidas Donskis: Cegueira Moral)

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